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31 de julho de 2014

Revista Êxito Rio: Inexplicável


George dos Santos Pacheco
 
Mês passado um primo distante veio me visitar, um daqueles parentes que a gente nem tem tanto contato (um filho do primo do meu pai, foram pouquíssimas as vezes em que nos encontramos), mas enfim, sangue é sangue, e quando eu soube de sua vinda, não me opus a hospedá-lo em minha casa. Fiz pequenas reformas, dei pintura nas paredes, melhorei o jardim e a varanda, combinei cardápios, organizei passeios, eventos...  tudo para causar boa impressão e deixar o mancebo à vontade – afinal, o que ele diria aos outros quando retornasse à Europa? 

Pois bem, o ruço chegou e ficou muitíssimo à vontade mesmo – até mais do que deveria. O cara já impressionava pelo porte físico: alto, loiro, biótipo atlético, olhos claros e um grande sorriso de dentes alinhadíssimos. Arranhando ridiculamente a última flor do Lácio, contava as histórias mais magníficas e mirabolantes de sua terra, as aventuras nos Alpes, as belezas da Baviera e seus castelos – enfim, todo o tipo de coisa que só quem tem bala na agulha pode fazer – e encantou a Dona Maria com sua simpatia e seus feitos heroicos. É claro, eu não me senti nem um pouco confortável com isso, e fiquei com uma pulga (duas, três, sei lá quantas...) atrás da orelha. E quem não ficaria? 

A cada semana ele arrumava uma desculpa para ficar mais uma, e mais uma...  e assim foi protelando a partida por quase um mês inteiro. E minha cabeça acumulava tantas preocupações, tantas desconfianças que, naquele fatídico dia, a meio do caminho do trabalho, dei por falta de minha pasta de documentos. Poderia ter continuado sem ela, mas brequei o carro cantando pneus, e fiz meia volta, correndo o mais que podia a fim de não chegar mais atrasado ainda no trabalho. 

Chegando em frente de casa, estacionei o carro de qualquer maneira, e entrei. O lugar tinha um silêncio estranho, daquele tipo que bem poderia ser chamado de “prenúncio da agonia”. Aliás, o ambiente não estava tão silencioso assim: havia um rangido insistente e uma espécie de choro baixinho e ritmado, bem no fundo, como interferência em linha telefônica. Minha estranheza se devia não apenas pelo tipo dos sons, mas porque não deveria haver nada nem ninguém por ali, naquele momento, que pudesse produzi-los: minha esposa estava no trabalho e meu primo ficou de sair para garantir sua passagem de volta pra casa (graças à Deus!). Então segui o som furtivamente, poderia ser um ladrão e eu precisava surpreendê-lo – e o mais importante, saber fazer isso. 

Os rangidos e o (choro?) vinham do meu quarto (como assim do meu quarto?), e aumentavam de intensidade a cada passo que eu dava. Então, chegando ao umbral, tetanizei: flagrei minha esposa e meu primo na cama, transando apaixonadamente – e fazendo coisas que eu nem me lembrava de ter feito com ela! Logo aqui, dentro da minha casa! 

Senti-me um completo idiota, e mais ainda, por ter confiado nesse vagabundo desse loiro desgraçado! Chorei copiosamente, não de tristeza, mas de raiva. O cara, desde o início estava de olho na minha mulher (o que realmente não era muito difícil, haja vista sua beleza extraordinária). Naquele momento, foi como se eu tivesse sido transportado para outra dimensão: completamente estatelado, observando os dois, corpos que se entrelaçavam em braços, pernas, suor, suspiros e beijos, como se fossem um bicho apenas, uma espécie qualquer de polvo lascivo que nem sequer percebia minha presença. Então me dei conta que muitos outros flertavam com minha mulher, o tempo inteiro: o vizinho dançarino de tango, o motoboy, o cara do yakisoba... todos, todos eles disputavam minha mulher, e o pior é que eu acho que ela gostava disso: de se sentir desejada, dos olhares, das cantadas... exibindo-se como se fosse um prêmio. Safada! 

Há quanto tempo isso vinha acontecendo? Teria sido apenas essa vez, ou sempre que tiveram oportunidade? (Uma, duas, três... sete vezes... Sete?! Não, sete seria muito, para tão pouco tempo). Caminhando pelo quarto, fungando minhas lágrimas – enquanto os dois trepavam alheios ao meu espectro cornulento, preso naquela dimensão etérea do flagrante dos cornos – fiquei pensando numa saída honrosa para a situação (se é que havia alguma): 

• Descer o cacete nos dois. 

Essa opção ajudaria – e muito – a descarregar minha raiva, mas teria consequências muito desagradáveis. Todos saberiam que eu fui corno, os dois me denunciariam por lesão corporal, e não ia ter jeito, os dois iriam mesmo para a Europa, rindo da minha cara até o sol explodir em uma anã branca. 

• Descer o cacete nos dois até deixá-los meio-mortos. 

Nesse caso, a variação seria apenas a intensidade da porrada, só para valer à pena ser preso e  servir de chacota pros dois (e pro mala do dançarino de tango, que não perde uma oportunidade de me sacanear). 

• Matar os dois. 

Sem comentários (eu não tenho coragem pra isso). 

• Fingir que não vi nada, dar meia volta e ir para o trabalho. 

Essa, de fato, seria a pior e mais humilhante opção dentre todas. Mas eu precisava entender, pode ser que tenha sido apenas uma fraqueza da Dona Maria, vá lá, acontece com todo mundo... mas poderia ser também que o desgraçado a levasse para a Europa com ele... 

Não! Eu enlouqueceria! 

E se eu simplesmente anunciasse minha presença, sei lá, com uma pigarreada, talvez? Para quem está traindo existe um saco infinito de desculpas. Flagrados, rolariam cada um para um lado, ofegantes, pedindo com as mãos espalmadas para que eu me acalmasse, que poderiam me explicar, que tudo não passava de um terrível engano, que não era nada disso que eu estava pensando e coisa e tal. Mas e o traído? O que eu explicaria? Por que eu fui traído? Não tem explicação no mundo para isso. Eu não tinha. 

Enquanto eu filosofava sobre o chifre, caminhando de um lado para o outro, o Hans deitou de barriga para cima e ficou assistindo minha mulher atuar – aparentemente cansado, ou talvez para não me humilhar ainda mais (será que ele se preocupava com isso mesmo?). O fato é que, eu não fiquei ali para ver como aquilo terminava, evidentemente. Recuei, e caminhei de volta para a sala, mais sorrateiro ainda do que na chegada. Quanta humilhação! Eu que sempre me julguei esperto, malandro, fui vencido pela inteligência do alemão. Calculou friamente seu bote, me enredou e traçou a Dona Maria. E agora cá estou eu, com o rabo entre as pernas, procurando desculpas para o inexplicável. Fiz escolhas erradas?  Talvez, mas eram as escolhas que eu considerava as melhores. Fui teimoso? Talvez, mas eu apenas confiei em mim mesmo. E essa é a parte fácil, difícil mesmo é confiar nos outros. 

Peguei minha pasta, entrei no carro e segui para o trabalho, já sem pressa, sem medo de chegar atrasado, qualquer coisa que acontecesse não seria pior que a “bolada nas costas” que eu havia levado. E o que me resta agora? Ficar choramingando enquanto ele festeja? Não! Planejar minha vingança, detalhadamente. Vou juntar uma grana boa e inventar uma viagem internacional daqui a algum tempo – talvez quatro anos sejam suficientes para me preparar. Vou para... a Rússia, é Rússia é um bom lugar. Até lá, quem sabe, o Hans não esteja casado, e não seja eu quem vá lhe por um par de chifres? Na volta para casa eu traço a mulher dele. E se acaso ele ainda não for casado, quem estiver lá vai pagar o pato: sua irmã, sua mãe... eu não quero nem saber. Tudo bem, eu não sou nenhum galã, não tenho os recursos que ele tem, mas às vezes, não são os favoritos que chegam à frente – e temos inúmeros exemplos disso. 

E quando ele me perguntar “mas por quê?”, eu direi “você se lembra do que fez comigo há quatro anos?”, e darei uma gargalhada sombria e sarcástica. E então, ele vai sentir o sabor amargo do inexplicável. Quatro anos é meu prazo, está decidido. Aguardem-me! 

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